CAPÍTULO VIII
171123-Estatuto dos Magistrados Judiciais Lei n.º 21/85, d 30JUL-IFC PIR 2DQNPFNOA
Estatuto dos Magistrados Judiciais
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/21-1985-393601
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 81.º
(Responsabilidade disciplinar)
Os magistrados judiciais são disciplinarmente responsáveis nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 82.º
(Infracção disciplinar)
Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.
Artigo 83.º
(Autonomia da jurisdição disciplinar)
1 - O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal.
2 - Quando em processo disciplinar se apure a existência de infracção criminal, dá-se imediato conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura.
Artigo 84.º
(Sujeição à jurisdição disciplinar)
1 - A exoneração ou mudança de situação não impedem a punição por infracções cometidas no exercício da função.
2 - Em caso de exoneração, o magistrado cumpre a pena se voltar à actividade.
SECÇÃO II
Das penas
SUBSECÇÃO I
Espécies de penas
Artigo 85.º
(Escala de penas)
1 - Os magistrados judiciais estão sujeitos às seguintes penas:
a) Advertência;
b) Multa;
c) Transferência;
d) Suspensão de exercício;
e) Inactividade;
f) Aposentação compulsiva;
g) Demissão.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as penas aplicadas são sempre registadas.
3 - As amnistias não destroem os efeitos produzidos pela aplicação das penas, devendo ser averbadas no competente processo individual.
4 - A pena prevista na alínea a) do n.º 1 pode ser aplicada independentemente de processo, desde que com audiência e possibilidade de defesa do arguido, e não ser sujeita a registo.
Artigo 86.º
(Pena de advertência)
A pena de advertência consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível.
Artigo 87.º
(Pena de multa)
A pena de multa é fixada em dias, no mínimo de cinco e no máximo de trinta.
Artigo 88.º
(Pena de transferência)
A pena de transferência consiste na colocação do magistrado em cargo da mesma categoria fora da área de jurisdição do tribunal ou serviço em que anteriormente exercia funções.
Artigo 89.º
(Penas de suspensão de exercício a de inactividade)
1 - As penas de suspensão de exercício e de inactividade consistem no afastamento completo do serviço durante o período da pena.
2 - A pena de suspensão pode ser de vinte a duzentos e quarenta dias.
3 - A pena de inactividade não pode ser inferior a um ano nem superior a dois.
Artigo 90.º
(Penas de aposentação compulsiva e de demissão)
1 - A pena de aposentação compulsiva consiste na imposição da aposentação.
2 - A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do magistrado, com cessação de todos os vínculos com a função.
SUBSECÇÃO II
Aplicação das penas
Artigo 91.º
(Pena de advertência)
A pena de advertência é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo.
Artigo 92.º
(Pena de multa)
A pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo.
Artigo 93.º
(Pena de transferência)
A pena de transferência é aplicável a infracções que impliquem a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções.
Artigo 94.º
(Penas de suspensão de exercício e de inactividade)
1 - As penas de suspensão de exercício e de inactividade são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando o magistrado for condenado em pena de prisão, salvo se a condenação aplicar pena de demissão.
2 - O tempo de prisão cumprido é descontado na pena disciplinar.
Artigo 95.º
(Penas de aposentação compulsiva a de demissão)
1 - As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado:
a) Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função;
b) Revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa;
c) Revele inaptidão profissional;
d) Tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.
2 - Ao abandono de lugar corresponde sempre a pena de demissão.
Artigo 96.º
(Medida de pena)
Na determinação da medida da pena atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.
Artigo 97.º
(Atenuação especial da pena)
A pena pode ser especialmente atenuado, aplicando-se pena de escalão inferior, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção, ou contemporâneas dela, que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente.
Artigo 98.º
(Reincidência)
1 - Verifica-se a reincidência quando a infracção for cometida antes de decorridos três anos sobre a data em que o magistrado cometeu a infracção anterior, pela qual tenha sido condenado em pena superior à de advertência já cumprida total ou parcialmente, desde que as circunstâncias do caso revelem ausência de eficácia preventiva da condenação anterior.
2 - Se a pena aplicável for qualquer das previstas nas alíneas b), d) e e) do artigo 85.º, em caso de reincidência o seu limite mínimo será igual a um terço, um quarto ou dois terços do limite máximo, respectivamente.
3 - Tratando-se de pena diversa das referidas no número anterior, pode ser aplicada pena de escalão imediatamente superior.
Artigo 99.º
(Concurso de infracções)
1 - Verifica-se o concurso de infracções quando o magistrado comete duas ou mais infracções antes de se tomar inimpugnável a condenação por qualquer delas.
2 - No concurso de infracções aplica-se uma única pena e, quando às infracções correspondam penas diferentes, aplica-se a de maior gravidade, agravada em função do concurso, se for variável.
Artigo 100.º
(Substituição de penas aplicadas a aposentados)
Para os magistrados aposentados ou que, por qualquer outra razão, se encontrem fora da actividade, as penas de multa, suspensão ou inactividade são substituídas pela perda de pensão ou vencimento de qualquer natureza pelo tempo correspondente.
SUBSECÇÃO III
Efeitos das penas
Artigo 101.º
(Efeitos das penas)
As penas disciplinares produzem, para além dos que lhes são próprios, os efeitos referidos nos artigos seguintes.
Artigo 102.º
(Pena de multa)
A pena de multa implica o desconto, no vencimento do magistrado, da importância correspondente ao número de dias aplicado.
Artigo 103.º
(Pena de transferência)
A pena de transferência implica a perda de sessenta dias de antiguidade.
Artigo 104.º
(Pena de suspensão de exercício)
1 - A peno de suspensão de exercício implica a perda do tempo correspondente à sua duração para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação.
2 - Se a pena de suspensão aplicada for igual ou inferior a cento e vinte dias, implica ainda, além dos efeitos previstos no número anterior, o previsto na alínea b) do n.º 3, quando o magistrado punido não possa manter-se no meio em que exerce as funções sem quebra do prestígio que lhe é exigível, o que constara da decisão disciplinar.
3 - Se a pena de suspensão aplicada for superior a cento e vinte dias, pode implicar ainda, além dos efeitos previstos no n.º 1:
a) A impossibilidade de promoção ou acesso durante um ano, contado do termo do cumprimento da pena;
b) A transferência para cargo idêntico em tribunal ou serviço diferente daquele em que o magistrado exercia funções na data da prática da infracção.
4 - A aplicação da pena de suspensão não prejudica o direito do magistrado à assistência a que tenha direito e à percepção do abono de família e prestações complementares.
Artigo 105.º
(Pena de inactividade)
1 - A pena de inactividade produz os efeitos referidos nos n.os 1 e 3 do artigo anterior, sendo elevado para dois anos o período de impossibilidade e promoção ou de acesso.
2 - É aplicável à pena de inactividade o disposto no n.º 4 do artigo anterior.
Artigo 106.º
(Pena de aposentação compulsiva)
A pena de aposentação compulsiva implica a imediata desligação do serviço e a perda dos direitos e regalias conferidos por este Estatuto, sem prejuízo do direito à pensão fixada na lei.
Artigo 107.º
(Pena de demissão)
1 - A pena de demissão implica a perda do estatuto de magistrado e dos correspondentes direitos.
2 - A mesma pena não implica a perda do direito à aposentação, nos termos e condições estabelecidos na lei, nem impossibilita o magistrado de ser nomeado para cargos públicos ou outros que possam ser exercidos sem que o seu titular reúna as particulares condições de dignidade e confiança exigidas pelo cargo de que foi demitido.
Artigo 108.º
(Promoção de magistrados arguidos)
1 - Durante a pendência de processo criminal ou disciplinar o magistrado é graduado para promoção ou acesso, mas estes suspendem-se quanto a ele, reservando-se a respectiva vaga até decisão final.
2 - Se o processo for arquivado, a decisão condenatória revogada ou aplicada uma pena que não prejudique a promoção ou acesso, o magistrado é promovido ou nomeado e vai ocupar o seu lugar na lista de antiguidade, com direito a receber as diferenças de remuneração.
3 - Se o magistrado houver de ser preterido, completa-se o movimento em relação à vaga que lhe havia ficado reservada.
Artigo 109.º
(Prescrição das penas)
As penas disciplinares prescrevem nos prazos seguintes, contados da data em que a decisão se tomou inimpugnável:
a) Seis meses, para as penas de advertência e multa;
b) Um ano, para a pena de transferência;
c) Três anos, para as penas de suspensão de exercício e inactividade;
d) Cinco anos, para as penas de aposentação compulsiva e demissão.
SECÇÃO III
Processo disciplinar
SUBSECÇÃO I
Normas processuais
Artigo 110.º
(Processo disciplinar)
1 - O processo disciplinar é o meio de efectivar a responsabilidade disciplinar.
2 - O processo disciplinar é sumário e não depende de formalidades especiais, salvo a audiência com possibilidade de defesa do arguido.
3 - O instrutor deve rejeitar as diligências manifestamente inúteis ou dilatórias, fundamentando a recusa.
Artigo 111.º
(Competência para Instauração do processo)
Compete ao Conselho Superior da Magistratura a instauração de procedimento disciplinar contra magistrados judiciais.
Artigo 112.º
(Impedimentos o suspeições)
É aplicável ao processo disciplinar, com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e suspeições em processo penal.
Artigo 113.º
(Natureza confidencial do processo)
1 - O processo disciplinar é de natureza confidencial até decisão final.
2 - É permitida a passagem de certidões de peças do processo a requerimento fundamentado do arguido, quando destinadas à defesa de interesses legítimos.
Artigo 114.º
(Prazo de instrução)
1 - A instrução do processo disciplinar deve ultimar-se no prazo de trinta dias.
2 - O prazo referido no número anterior só pode ser excedido em caso justificado.
3 - O instrutor deve dar conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura e ao arguido da data em que iniciar a instrução do processo.
Artigo 115.º
(Número de testemunhas na fase de instrução)
1 - Na fase de instrução não há limite para o número de testemunhas.
2 - O instrutor pode indeferir o pedido de audição de testemunhas ou declarantes quando julgar suficiente a prova produzida.
Artigo 116.º
(Suspensão preventiva do arguido)
1 - O magistrado arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das funções, sob proposta do instrutor, desde que haja fortes indícios de que à infracção caberá, pelo menos, a pena de transferência e a continuação na efectividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ou ao serviço, ou ao prestígio e dignidade da função.
2 - A suspensão preventiva é executada por forma a assegurar-se o resguardo da dignidade pessoal e profissional do magistrado.
3 - A suspensão preventiva não pode exceder noventa dias, prorrogáveis mediante justificação por mais trinta dias, e não tem os efeitos consignados no artigo 104.º
Artigo 117.º
(Acusação)
1 - Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis.
2 - Se não se indiciarem suficientemente factos constitutivos da infracção ou da responsabilidade do arguido, ou o procedimento disciplinar se encontrar extinto, o instrutor elabora em dez dias o seu relatório, seguindo-se os demais termos aplicáveis.
Artigo 118.º
(Notificação do arguido)
É entregue ao arguido ou remetida por correio, sob registo com aviso de recepção, cópia da acusação, fixando-se um prazo entre dez e vinte dias para apresentação da defesa.
2 - Se não for conhecido o paradeiro do arguido, procede-se à sua notificação edital.
Artigo 119.º
(Nomeação do defensor)
1 - Se o arguido estiver impossibilitado de elaborar a defesa, por motivo de ausência, doença, anomalia mental ou incapacidade física, o Conselho Superior da Magistratura nomeia-lhe defensor.
2 - Quando o defensor for nomeado em data Posterior à da notificação a que se refere o artigo anterior, reabre-se o prazo para a defesa com a sua notificação.
Artigo 120.º
(Exame do processo)
Durante o prazo para a apresentação da defesa, o arguido, o defensor nomeado ou o mandatário constituído podem examinar o processo no local onde este se encontra depositado.
Artigo 121.º
(Defesa do arguido)
1 - Com a defesa, o arguido pode indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências.
2 - Não podem ser oferecidas mais de três testemunhas a cada facto.
Artigo 122.º
(Relatório)
Terminada a produção da prova, o instrutor elabora, no prazo de quinze dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável.
Artigo 123.º
(Notificação de decisão)
A decisão final, acompanhada de cópia do relatório a que se refere o artigo anterior, é notificada ao arguido com observância do disposto no artigo 118.º
Artigo 124.º
(Nulidades e irregularidades)
1 - Constitui nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa e a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade que ainda possam utilmente realizar-se.
2 - As restantes nulidades e irregularidades consideram-se sanadas se não forem arguidas na defesa ou, a ocorrerem posteriormente, no prazo de cinco dias contados da data do seu conhecimento.
SUBSECÇÃO II
Abandono do lugar
Artigo 125.º
(Auto por abandono)
Quando um magistrado deixe de comparecer ao serviço durante dez dias, manifestando expressamente a intenção de abandonar o lugar, ou faltar injustificadamente durante trinta dias úteis seguidos, é levantado auto por abandono de lugar.
Artigo 126.º
(Presunção de intenção de abandono)
1 - A ausência injustificada do lugar durante trinta dias úteis seguidos constitui presunção de abandono.
2 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida em processo disciplinar por qualquer meio de prova.
SECÇÃO IV
Revisão de decisões disciplinares
Artigo 127.º
(Revisão)
1 - As decisões condenatórias proferidas em processo disciplinar podem ser revistas a todo o tempo quando se verifiquem circunstâncias ou meios de prova susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a punição e que não puderam ser oportunamente utilizados pelo arguido.
2 - A revisão não pode, em caso algum, determinar o agravamento da pena.
Artigo 128.º
(Processo)
1 - A revisão é requerida pelo interessado ao Conselho Superior da Magistratura.
2 - O requerimento, processado por apenso ao processo disciplinar, deve conter os fundamentos do pedido e a indicação dos meios de prova a produzir e ser instruído com os documentos que o interessado tenha podido obter.
Artigo 129.º
(Sequência do processo de revisão)
1 - Recebido o requerimento, o Conselho Superior da Magistratura decide, no prazo de trinta dias, se se verificam os pressupostos da revisão.
2 - Se decidir pela revisão, é nomeado novo instrutor para o processo.
Artigo 130.º
(Procedência da revisão)
1 - Se o pedido de revisão for julgado procedente, revogar-se-á ou alterar-se-á a decisão proferida no processo revisto.
2 - Sem prejuízo de outros direitos legalmente previstos, o interessado será indemnizado pelas remunerações que tenha deixado de receber em razão da decisão revista.
SECÇÃO V
Direito subsidiário
Artigo 131.º
(Direito subsidiário)
São aplicáveis subsidiariamente em matéria disciplinar as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares.
CAPÍTULO IX
INQUÉRITOS E SINDICÂNCIAS
Artigo 132.º
(Inquéritos e sindicâncias)
1 - Os inquéritos têm por finalidade a averiguação de factos determinados.
2 - As sindicâncias têm lugar quando haja notícia de factos que exijam uma averiguação geral acerca do funcionamento dos serviços.
Artigo 133.º
(Instrução)
São aplicáveis à instrução dos processos de inquérito e de sindicância, com as necessárias adaptações, as disposições relativas a processos disciplinares.
Artigo 134.º
(Relatório)
Terminada a instrução, o inquiridor ou sindicante elabora relatório, propondo o arquivamento ou a instauração de procedimento, conforme os casos.
Artigo 135.º
(Conversão em processo disciplinar)
1 - Se apurar a existência de infracção, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar que o processo de inquérito ou de sindicância em que o arguido tenha sido ouvido constitua a parte instrutória do processo disciplinar.
2 - No caso previsto no número anterior, a data da instauração do inquérito ou da sindicância fixa o início do procedimento disciplinar.